quarta-feira, 30 de abril de 2014

A voz do mar

No dia em que se festeja o centenário de Dorival Caymmi, filhos e a neta ressaltam seu legado e imaginam o que o patriarca estaria fazendo hoje

O samba da nossa terra festeja hoje, com saudades, o centenário de um dos maiores — se não o maior — compositores brasileiros de todos os tempos. Dorival Caymmi nasceu em Salvador, em 30 de abril de 1914, e morreu no Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 2008, dormindo, uma morte digna do espírito de ‘baianidade’ que ele ajudou a popularizar no mundo.

“Mas hoje em dia não tem mais jangada, não tem mais canoa, não tem pescador de rede... acho que, se meu pai estivesse vivo e compondo, ele ia ter que se inspirar no ‘Lepo Lepo’”, ironiza o filho Dori, lembrando temas eternizados nas canções do pai, clássicos como ‘É Doce Morrer no Mar’, ‘Suíte do Pescador’ e ‘O Mar’, entre muitos outros clássicos.

Dori prepara o disco ‘Dorival Caymmi: Centenário’, com participações dos irmãos, Danilo e Nana, e de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. “As pessoas atualmente querem ouvir mais a música com o corpo do que com o ouvido. Mas tem aí uma geração de músicos jovens e bem-informados que ainda me dá esperança”, diz.

Danilo Caymmi também prepara um CD relendo a obra do pai, a ser lançado ainda este ano e com a participação de uma turma nova, o que afirma a relevância e influência das canções do baiano, que soam modernas ainda hoje. “Estou produzindo esse disco com o Domenico (Lancellotti, integrante da Orquestra Imperial), que é para entender o ponto de vista dos jovens sobre a obra do Caymmi. Eu vou atuar apenas como cantor e flautista”, antecipa Danilo. “Meu pai sempre foi interessado em tecnologia, era muito curioso. Lembro que, quando surgiu o telefone celular, a primeira coisa que fez foi me pedir para lhe dar um. Ele adorava a tecnologia, e acho que, se estivesse vivo hoje, estaria se divertindo nessa área da internet”, arrisca.

Ainda no embalo das comemorações pelo centenário, os Correios lançam esta semana um selo celebrando a data, e a neta Stella Caymmi (filha de Nana) relança em maio a biografia ‘Dorival Caymmi: O Mar e o Tempo’ e assina a curadoria da mostra ‘Caymmi 100 Anos’, prevista para estrear em São Paulo, em julho.
“Ele não partiu. Nem ele, nem mamãe (Stella Maris, que morreu poucos dias depois de Dorival)”, decreta Nana Caymmi. “É uma ausência danada, mas eles ainda estão muito presentes em nossas vidas, e a gente se consola bem”, resigna-se ela.


Não é exagero dizer que Dorival era um filósofo, que cultivava a simplicidade na vida e na arte. Seu legado é de uma grandeza imensurável. É um gênio da música, mas conclusões como essa são óbvias, sempre foram, ainda mais nesta data. “Hoje, todos querem ser ricos e famosos, querem ser a Ivete Sangalo, é um besteirol muito grande”, dispara Dori.

Crítica atestada nos versos do patriarca em ‘Saudade da Bahia’: “Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”.

A NOVATA DO CLÃ
Todos os dias ela acorda e vai até a sala. Ao olhar para o quadro de seu avô, sente o peso do mundo em suas costas. Respira fundo e solta um palavrão. Afinal, a cantora Alice Caymmi (que herdou o timbre de voz da família) é neta de Dorival. “Depois que meu pai e meus tios fizeram o projeto deles em homenagem a meu ‘vô’, pensei que seria bonito eu também fazer a minha leitura”, conta a carioca, filha de Danilo, que, transgressora, quis celebrar a obra do avô em ritmo de axé no show ‘Dorivália’ (o nome é uma mistura de Dorival com Tropicália). “Vamos digerir Dorival Caymmi, e não apenas reproduzir! Para quem não gostar, eu peço que deixe de ser purista, que pare com essa besteira. Dizer que a cultura baiana hoje é menor que na época do meu avô é uma falta de respeito!”. LSM

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um lugar para o choro

“Isso aqui está ficando bonito pra caramba”, alegra-se a cavaquinista e compositora Luciana Rabello, ao entrar no casarão de três andares no número 38 da Rua da Carioca, no Centro. “A gente chega em Buenos Aires e tem lá um lugar para se conhecer o tango. Em Nova Orleans, tem espaços contando tudo sobre o jazz. E eu estou sempre pagando mico quando meus amigos do exterior vêm ao Rio e perguntam: ‘Onde rola um lance de choro aí?’ Eu tenho que responder que só se for lá em casa.”

Era para falar de seu novo CD ‘Candeia Branca’, mas a mulher do legendário letrista Paulo César Pinheiro — com quem é casada há 29 anos — não se conteve em adiantar os detalhes do Instituto Casa do Choro, misto de museu, teatro e escola sobre o gênero musical que defende com unhas, dentes e coração.


“É um sonho antigo se realizando. Desde 2001, procuro um local na cidade para preservar a memória do choro, que é a mais antiga forma de música popular brasileira, até que em 2009, conseguimos a cessão do prédio pelo Governo do Estado. Só agora as obras estão em fase de finalização”, entusiasma-se Luciana. “A expectativa é terminar em maio. Acho que vamos funcionar em fase experimental inicialmente, porque daí vem a Copa do Mundo no mês seguinte, e a ideia é realizar um grande evento de inauguração em julho. Meu desejo é fechar a Rua da Carioca para um show em um domingo, mas ainda não consegui as autorizações para isso. Se não der, quero montar um palcão no Largo da Carioca.”


A Casa do Choro vai abrigar os cursos mais avançados da Escola Portátil de Música (EPM), idealizada por Luciana em 2000 para se ensinar o ritmo e que funciona na Unirio, na Urca, sendo inclusive curso de extensão da faculdade de Música — a EPM tem até filial internacional, em Roterdã, na Holanda, levada para lá há dois anos por um violonista holandês que veio ao Rio aprender cavaquinho com ela e pirou com o choro.

Luciana Rabello pilota ainda a gravadora Acari, que lança títulos dedicados ao choro, claro, incluindo seu novo CD. “A Acari é muito procurada por gente de fora. Vendemos principalmente para o Japão e Europa”, orgulha-se a empreendedora. “Entre minhas vontades de realizar pela Acari , sonho lançar um disco solo do Cristóvão Bastos tocando exclusivamente o repertório de Ernesto Nazareth, mas acho que ele não iria se animar”, deixa a dica ao amigo pianista.

Curiosamente, seu ‘Candeia Branca’ não é um disco de choro. “O choro é a base de muitos gêneros musicais, como os que gravei: samba, ciranda, maculelê, valsa, baião...”, lista ela.

Neste disco, ela, que é virtuosa cavaquinista, abre espaço pela primeira vez para seu lado cantora, em parcerias inéditas com Paulo César Pinheiro. “O choro é basicamente uma música instrumental. É um gênero que não se presta muito ao canto, é feito mesmo para os instrumentos. Existem choros cantados, e não tenho preconceito, mas acho que fica esquisito”, explica. “Mas nem adianta me mandar fita com músicas para eu cantar em um próximo disco, porque não quero me lançar como cantora!”, descarta.

O que Luciana Rabello quer é seguir em sua missão de preservação da memória do choro. “Não sei se vou conseguir salvar o choro, mas que eu boto uma pilha, ah, eu boto mesmo!”, decreta.

E não venha chamar o choro de ‘chorinho’ em sua presença: “Quando você ouve a complexidade dessa música, entende que não procede chamá-la pelo diminutivo. Eu sei que, às vezes, é até uma forma carinhosa de se referir, mas soa pejorativo. A única pessoa que falava chorinho e ficava bem era o Pixinguinha... Mas ele era o cara, né?” LSM (fotos Maíra Coelho)

quinta-feira, 10 de abril de 2014

‘O desafinado sou eu!’

Gilberto Gil brinca com os estereótipos associados ao ídolo João Gilberto, homenageado em seu novo CD, e assume que desde o início da carreira queria imitar o bossa-novista

Célebre nome da Bossa Nova, João Gilberto já foi acusado (injustamente) de ser desafinado. “Nada disso. Ele é, na verdade, um intérprete muito exigente com cada nota que canta. É tudo afinadão”, defende o amigo e fã declarado Gilberto Gil, que celebra o repertório eternizado pelo ídolo em seu novo CD, ‘Gilbertos Samba’. “Eu mesmo não tenho essa exigência dele, de aferir a nota certinha ao cantar. Comparado a João, o desafinado sou eu”, diverte-se.

Gil conta que esse projeto é a junção de dois sonhos antigos: fazer um CD de samba e outro em homenagem ao mestre bossa-novista. No repertório, ele reuniu clássicos gravados por João Gilberto, de autores como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e Caetano Veloso, além de uma canção inédita, ‘Gilbertos’, composta por ele especialmente para o projeto. “Além do canto, temos que destacar que o violão do João Gilberto também é incrível. Queria ter a mesma capacidade de concentração dele no ato de tocar. Sou mais disperso”, assume. “Desde quando ganhei meu primeiro violão, já tentava reproduzir o som do violão do João. Eu queria imitá-lo”, lembra.

Gil brinca com outra fama que acompanha João: a de ser um cara excêntrico e misterioso. “Ele tem um modo de ser diferente da maioria das pessoas, né? É um homem recolhido, não falo com ele há dez anos”, resigna-se. Sonho do CD concretizado, Gilberto Gil ainda acalenta uma vontade pessoal não realizada sobre este novo projeto. “É evidente que adoraria que o João Gilberto escutasse esse disco. Tenho muita curiosidade de saber o que ele acharia”, anuncia o discípulo.

HERDEIROS DA TROPICÁLIA
Pela primeira vez atuando juntos na produção musical, Moreno Veloso (filho de Caetano) e Bem Gil (filho de Gilberto) assinam a função neste novo disco, ‘Gilbertos Samba’. “Fui eu quem chamei os dois, queria que fosse produzido pelos filhos. Vendo eles trabalhando, eu só lembrava de mim e do Caetano mais
jovens”, emociona-se Gil, pagando de pai coruja e ‘tio’ emprestado. “Lembro do Moreno pequenininho pedindo ao Caetano: ‘Coloca a música do Gil’. Ele tinha uma ligação comigo, e, desde cedo, eu já percebi que ele seria da minha turma.”

Moreno, 41 anos, já acumula vários títulos como produtor musical, incluindo os discos mais recentes do pai, além do elogiado ‘Recanto’, que deu novo fôlego à carreira de Gal Costa. Bem, 29, atua mais com seu próprio conjunto, o Tono. “Muito da minha experiência na área vem de ver o Liminha (produtor brasileiro que é referência) trabalhando com meu pai”, detalha Bem Gil.

Moreno conta que, inicialmente, os dois tiveram que passar a entender do riscado para produzir seus próprios discos — ele, inclusive, anuncia que este mês estreia solo, com o lançamento de seu primeiro CD sem o grupo +2, que divide com Kassin e Domenico Lancellotti. “Se a gente não aprendesse, ninguém iria fazer isso por nós”, decreta, modesto.

Resumindo, produtor musical é o cara que acompanha o processo de feitura de um disco, desde antes da gravação, ensaios, que escolhe os músicos que vão participar, entre outras atribuições. E a combinação dos filhos deu muito certo. “Foi um encontro excepcional”, elogia Moreno. “Eu, por exemplo, sou muito avoado. O Bem consegue resolver com dois simples telefonemas coisas burocráticas que eu demoraria um mês”.

Quem sabe, então, não virá um disco desta dupla por aí? “Que coisa bonita seria isso, um disco meu com o Moreno!”, festeja a ideia Bem Gil. LSM (fotos André Luiz Mello)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A dona da lona

Maria Juçá lança livro com histórias memoráveis do Circo Voador, espaço que defende com unhas, dentes e coração 

Se a questão é manter vivo o Circo Voador, a baixinha de 64 anos Maria Juçá vira uma gigante com a mesma energia de uma adolescente cheia de hormônios em ebulição. E parte para dentro da briga, seja com o desafeto Perfeito Fortuna (um dos fundadores do Circo, com quem teve uma cisão nos anos 90) ou com os ex-prefeitos César Maia ou Luiz Paulo Conde. “No entanto, sou amiga e transito muito bem entre inimigos declarados, como Lobão e Herbert Vianna ou Yuka e Falcão, do Rappa”, relativiza a diretora da lona da Lapa.

Os êxitos, fracassos e ‘tretas’ que vivenciou desde 1982, quando foi convidada a integrar a equipe do Circo Voador, estão no livro ‘A Nave’, (Ed. do Autor, R$ 59,90), um calhamaço de 703 páginas (“O texto original deu mais de mil páginas, tive que dolorosamente reduzir. São muitas histórias”), que Maria Juçá lança nesta quarta-feira, às 19h, na livraria Blooks (Praia de Botafogo 316).

“E, no segundo semestre deste ano, sai um documentário sobre o Circo, que também vai se chamar ‘A Nave’, dirigido por Tainá Menezes. É o primeiro filme dela, uma jovem cineasta de 30 anos, amiga da minha filha. Ela conseguiu a façanha de editar para 1h10 as cerca de 8 mil horas do nosso acervo”, detalha Juçá.

O livro conta a história da autora desde antes de integrar a trupe, e inclui passagens divertidas e curiosas, como o dia em que ela fumou um cigarro de maconha com Bob Marley. “Um ano antes de ser convidada para o Circo, eu trabalhava na equipe da Rádio Cidade, e o Bob veio ao Rio para uma entrevista coletiva. Aqui, foi apresentado a ele um baseado gigantesco, até hoje fico assustada quando lembro, era da grossura de umas quatro canetas”, espanta-se. “Eu só lembro de dar um trago e meu olho começar a rodar, que nem se tivesse enfiado o dedo na tomada. Só que logo mandaram apagar, porque, de acordo com os rastas, as mulheres não podem participar dessas rodinhas de fumo. Mas eu quebrei o protocolo!”

‘A Nave’ traz ainda depoimentos exclusivos de Frejat, Tom Zé, Lenine, Lobão, Gilberto Gil, Angela Ro Ro e Marcelo D2, entre muitos outros. Estão lá relatados o show para lançamento da candidatura do Macaco Tião à prefeitura do Rio; a transmissão ao vivo do programa ‘Perdidos Na Noite’ (que Fausto Silva comandava na Band); a apresentação do Titãs no início da carreira para apenas 13 pagantes; o dia em que o punk Jello Biafra disse que só subiria ao palco da lona se tomasse banho em uma jacuzzi (e acabou na banheira da casa de Renato Russo); o fechamento do estabelecimento depois da comemoração da vitória das eleições pelo prefeito Conde, em pleno show do Ratos de Porão; o reencontro do Planet Hemp, quando 5 mil fãs (o Circo comporta 2 mil) derrubaram as grades e quebraram até os banheiros; a lata de cerveja que jogaram da plateia no James Taylor; e quando Tim Maia ficou de mal com Juçá, injuriado com a faixa em que estava escrito “Tim Maia está rouco, Tim Maia está louco”, que ela colocou na porta do Circo após ele não ter comparecido a uma apresentação marcada lá. “Depois fizemos as pazes e ele fez mais uns 15 shows no Circo”, diverte-se ela.

Maria Juçá só não se reconciliou ainda com o antigo colega de lona, Perfeito Fortuna (hoje responsável pela Fundição Progresso). “Somos de mal um com o outro, mas não queremos o mal um do outro. Ele atesta que o Circo deveria acabar e que a Fundição seria sua sucessora, como algo mais grandioso. Mas lá é um espaço gigante, e eu acho que precisamos manter essa usina experimental para as novas gerações de artistas, como é o Circo Voador. Só volto a falar com ele se ele beijar minha mão!”, sugere, às gargalhadas. LSM (foto André Luiz Mello)

terça-feira, 1 de abril de 2014

Lá vem o Moraes Moreira

Ao contrário do regime militar imposto aos brasileiros há 50 anos, todos sentem saudades do Novos Baianos, grupo que Moraes Moreira formou no anos 70 com Baby do Brasil (que ainda era Consuelo), Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor e marcou a história com clássicos como ‘Preta Pretinha’ e ‘A Menina Dança’. Porém, para Moraes, a existência de um depende do outro.

“Éramos hippies à brasileira, e essa ideia radical de viver juntos em um sítio era nossa resposta àquele momento de ditadura. Muita gente me procura falando sobre uma volta do Novos Baianos, mas nunca seria a mesma coisa. Só se voltasse a ditadura no Brasil”, relativiza o cantor e compositor.


Moraes deixa o grupo em 1974, há 40 anos (“Já com filhos para criar, quis sair do sítio, achei que poderia ter uma abertura, mas não aceitaram, embora ali não fosse exatamente uma ditadura”, relata), e lança no ano seguinte o primeiro disco solo, chamado apenas ‘Moraes Moreira’. Até agora inédito em CD, ele acaba de ganhar o formato digital embalado na caixa ‘Anos 70’ junto de seus três lançamentos solo seguintes, ‘Cara e Coração’ (1977), ‘Alto Falante’ (1978, este também estreando só agora em CD) e ‘Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira’ (1979).

“Inicialmente, farei essas apresentações com esse repertório apenas no formato voz e violão, mas depois vou para a estrada acompanhado por uma banda”, promete.

Estão nesses álbuns iniciais clássicos como ‘Guitarra Baiana’ (da trilha da novela ‘Gabriela’, em 1975), ‘Pombo Correio’ e ‘Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira’. Na parte instrumental, Moraes leva para seu universo particular o amigo Pepeu Gomes e outros músicos que já transitavam na comunidade dos baianos: Armandinho, Dadi, Mu e Gustavo Schroeder, que logo seriam oficializados como a banda A Cor do Som.

“Eles eram uns meninos, quando os chamei para tocar”, recorda.

DESCENDO A LADEIRA
Na época da ditadura, Moraes Moreira não poderia disparar críticas contra o que considerava errado no País. Agora, o cantor aproveita e abre o verbo, pegando carona no título de um de seus sucessos: “O Brasil, no momento, está descendo ladeira abaixo. Não está pronto para fazer Copa do Mundo, tem que dar um jeito na educação e na saúde antes disso”, decreta.

O cantor tem ainda mais uma reclamação, mas esta não passa pela crítica social. Na edição do ano passado do Rock in Rio, a apresentação que fez ao lado de Pepeu e Roberta Sá assustou muitos fãs por conta da sua voz, que parecia diferente, rouca. “Tive muitos problemas de som naquela ocasião. Estava me ouvindo mal pacas, não dava para cantar bem assim”, justifica. “Mas o clima bom que rolou no show superou isso.”

Clima melhor ainda ele promete para seu próximo lançamento: um CD em parceria com o filho, o guitarrista Davi Moraes. “Fomos contemplados por um edital da Petrobras. Estamos em estúdio gravando, vai ter diversas parcerias inéditas nossas. O nome, por enquanto, será ‘Pai e Filho’. Deve sair ainda no primeiro semestre”, anuncia. LSM (foto João Laet)

As garotas do Arrigo Barnabé

Atrás dos cabelos desgrenhados daquele senhor ao piano, chamam a atenção quatro mocinhas de uns vinte e poucos anos cada. Claro, os fãs estão ali sedentos pelo ídolo Arrigo Barnabé — figura rara em palcos daqui, que recentemente agendou shows no Rio, no espaço Audio Rebel, em Botafogo, todos lotados e com direito a presenças ilustres na plateia, como Zélia Duncan e Ney Matogrosso. Mas ninguém fica imune ao charme das jovens virtuosas instrumentistas que o acompanham nesta turnê, que recria sua obra mais emblemática, o disco ‘Clara Crocodilo’, de 1980. “Somos histéricas, mas no bom sentido”, classifica a soprista Joana Queiroz, única carioca da trupe. “Todo mundo acha que ele é um porra-louca, mas o Arrigo é um tremendo de um gentleman”, derrete-se.


Completam o time feminino Mariá Portugal (bateria), Ana Karina Sebastião (baixo), ambas de São Paulo, e Maria Beraldo (clarineta), que veio de Florianópolis. O visual do protagonista, que mais lembra um cientista louco, esconde uma faceta que só quem se internou por 15 dias seguidos ensaiando para a empreitada nada simples (“Tem que estudar muito, as músicas dele são bem complexas”, ressalta Maria) poderia revelar. “Tivemos show às vésperas do Natal e ele fez questão de fazer amigo oculto. Ele é meio criança”, brinca Joana.

Mariá foi a primeira a conhecer o ídolo pessoalmente. “Escuto o ‘Clara Crocodilo’ desde pequenina, até que esbarrei com o Arrigo na rua em São Paulo, não resisti e falei: “Cara, você mudou a minha vida!’ Ao que ele respondeu: ‘Mas foi para melhor ou para pior?’ Caímos na gargalhada, estreitamos os laços e um dia veio o convite para tocar com ele”, conta Mariá, fera dos tambores que já serviu com seu ritmo a nomes como Pato Fu e Zélia Duncan.

Este núcleo feminino começou a tomar forma quando Arrigo teve a ideia de reunir apenas garotas no projeto O Neurótico e As Histéricas, que criou para homenagear o contemporâneo Hermelino Neder, assim como ele ligado ao movimento cultural Vanguarda Paulista. Através do convite de um festival de música de vanguarda no Chile, em outubro do ano passado, surgiu a ideia de reler ‘Clara Crocodilo’ com elas, que, afinal, já estavam ali com ele. O show passou por casas em São Paulo antes de chegar por aqui.

“Não esperava tanta receptividade no Rio, não sabia que por aqui assimilaram tanto a Vanguarda Paulista. Precisamos voltar com esse show ao Rio em um lugar maior!”, deseja Ana (o Audio Rebel comporta umas 80 pessoas apenas). Circo Voador, fica a dica! LSM (foto Luciano Oliveira)